O Lima sempre foi uma presença muito viva para os habitantes de Subportela. Como, outrora, só havia as pontes de Viana do Castelo, Ponte de Lima e Ponte da Barca, a ligação entre as duas margens do Rio era feita através de barco, que adquiria o nome de Barco do Porto, Barco de Passagem, etc., conforme a sua função. Porque era muito o tráfego de então, o barqueiro passava a vida no rio. 
“O barco era, ao mesmo tempo, a sua «oficina» de trabalho e a sua casa de habitação. Na proa do barco, abrigado do vento, cozinhava as refeições diárias, num modesto fogão de ferro, muito parecido com um assador de castanhas; com a vela descida, dependurada na «verga», e com um oleado, de «duas águas», a fazer de barraca, comia e descansava, na popa do barco.
Andava sempre de «perneira» arregaçada, descalço, de camisa aberta e colete desabotoado.
Na cabeça usava um barrete afunilado, que rematava em «pitó». Era de cor acastanhada, pois era feito de lã de ovelha, devidamente trabalhado pelas agulhas, que as mulheres usavam para fazer meia.
Em vez de calças, vestia umas ceroulas brancas, de flanela grossa. Com os cordões da extremidade, atava as ceroulas arregaçadas, para as «perneiras» não caírem. Eram parecidas com as usadas pelos pescadores da Nazaré. (...) A camisa, embora de flanela riscada, não ostentava o tradicional xadrez, característico da camisa do pescador marítimo. Por cima dela, usava um colete forrado a pele de ovelha, que era feito em Deão.
Ordinariamente, o barqueiro era um homem alto, forte e robusto. Era espadaúdo nas costas e muito forte de peito. Isto encontra explicação no esforço que, continuamente, tinha de fazer, para puxar a vara do barco. (...)
- Primeiro, lançava a vara no leito do rio, a partir do início da proa; depois, encostava a vara ao peito, retesava os músculos das pernas, e quase tomava uma posição horizontal no barco.
As mãos agarravam-se, paulatinamente, de liame em liame, no bordo do barco, para dar maior segurança e impulso ao corpo.
E, assim, percorria todo o barco, desde a proa até à popa, umas e muitas vezes, sempre ao lado da amurada, por causa da carga, que ia ao centro.
Os barqueiros eram homens simples do povo. Embora, na sua maioria, analfabetos, tinham conhecimentos profundos do seu mister. Eram conhecimentos oriundos da experiência de muitos anos, transmitidos de geração em geração.
Faziam as contas dos transportes e das feiras, de cabeça. Nunca se enganavam, apesar de terem de lidar com toneladas de madeira e quintais de bacalhau.
Não sabiam, tão somente, a hora e as circunstâncias que rodeavam o deslizar das águas e do subir ou descer da maré. Sabiam também, como ninguém, das condições climatéricas. Eram autênticos «barómetros» atmosféricos. (...)
Alguns barqueiros, à força de se ter de recorrer aos seus serviços e, dadas as características da vida que levavam, tornaram-se figuras típicas do meio. (...)
No intervalo dos trabalhos, passavam o tempo nas tabernas próximas do rio. Aí, petiscavam, bebiam, conversavam e jogavam cartas.
De registar, também, que eram especialistas em cozinhar qualquer comida em que entrasse o peixe, que pescavam no rio. Uma caldeirada de peixe, feita por eles, ou um arroz de lampreia, que eles cozinhassem, constituíam saboroso pitéu.
Ordinariamente, tinham muitos filhos e as suas propriedades localizavam-se à beira-rio. Conheciam os recantos do rio, como as palmas das mãos.
Para andar no rio, tinham de ter a carta de Arrais, que era tirada na capitania do porto. Esta só passada, após determinado exame.
Os moços de bordo precisavam de cédula marítima. Sabiam nadar, como ninguém. Muitos deles tinham sido marinheiros e outros tinham andado, por várias vezes, na safra do bacalhau”.

(in, “Os Barqueiros do Lima”, cap. III)